terça-feira, 21 de junho de 2011

O resgate de A montanha dos sete abutres

No próximo dia 29, completam-se 50 anos da estreia de A montanha dos sete abutres (Ace in the hole, 1951), o filme maldito de Billy Wilder. Notícia boa: a Paramount acaba de lançá-lo em DVD. Notícia ruim: o produto é exclusivo da Livraria Cultura, o que não é muito democrático. Preço: 29,90.

Como diz o jornalista Chuck Tatum, o personagem principal do filme: "Notícias ruins vendem bem porque notícias boas não são notícias". Frases lapidares, por sinal, saem aos borbotões da boca do jornalista interpretado com a contumaz dose extra de adrenalina por Kirk Douglas.

Elas são inesquecíveis e qualquer jornalista que se preze deve tê-las na algibeira. Que tal esta: "Se não houver notícias, vou lá fora e mordo um cachorro". E esta outra: "Você aprendeu o quê na faculdade de jornalismo? Propaganda?"
A montanha dos sete abutres foi um retumbante fracasso. Odiado pelo público e pela crítica. Tanto que chegou a ser relançado com um novo título: The big Carnival. Até hoje, professores de jornalismo usam-no como panaceia para domesticar estudantes. Uns confundem jornalismo com relações públicas. Outros confundem cinema com propaganda.

Billy Wilder fazia filmes para expressar seus demônios interiores. Em 1950, ele tinha acabado de fazer Crepúsculo dos deuses (Sunset Boulevard, 1950), que sintetizava o passado e o presente de Hollywood. Foi um clássico instantâneo. Mas o cineasta não se sentia satisfeito com o sucesso na Califórnia.

Como num voo às escuras, ele quebrou a parceria com o roteirista Charles Brackett, com quem dividira os méritos de 13 longas-metragens, entre eles Ninotchka (1939), Farrapo humano (The lost weekend, 1945) e Crepúsculo dos deuses, e embarcou na aventura de escrever A montanha dos sete abutres com o jovem radialista Walter Newman.

Roteirizado e produzido por Wilder, este foi o filme que ele teve mais liberdade de fazer. As filmagens e a montagem sofreram pouca interferência da Paramount. Aos olhos de hoje, com a distância de meio século, o filme parece um óvni dos anos 1950. A força da narrativa de Wilder e a incandescente história sobre um jornalista que brinca de Deus queimam a retina do espectador.

Vítima de tédio mortal em Albuquerque, no Novo México, o esquentado jornalista nova-iorquino Chuck Tatum vislumbra a volta por cima quando um homem fica preso numa caverna. Ao contrário de ajudá-lo da maneira mais simples, Tatum estica o seu salvamento para aparecer e vender melhor a notícia.

A partir daí, o vilarejo onde fica a montanha vira um circo midiático, com a população, rádios e a TV vivendo exclusivamente da notícia forjada pelo jornalista. Billy Wilder tirou partido das ambiguidades ao relativizar ética e verdade e eternizou A montanha dos sete abutres, que parece ter sido feito aqui e agora. Lamentável que o DVD não traga um extra sequer.

A montanha dos sete abutres (Ace in the hole). EUA, 1951. Direção: Billy Wilder. Elenco: Kirk Douglas. Jan Sterling, Robert Arthur, Richard Benedict, Gene Evans. Distribuição: Paramount Pictures. Preço: 29,90 (exclusivo da Livraria Cultura).

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