sexta-feira, 1 de julho de 2011

Na máquina do tempo com o cinema silencioso


Quando o ator Al Jolson abriu a boca para falar em O cantor de jazz, no final de 1927, a arte cinematográfica estava em pleno esplendor estético. Não é por outro motivo que alguns historiadores consideram o advento do som – e da palavra falada, principalmente – como a morte do cinema como arte. Tanto na Europa quando nos Estados Unidos, o final da década de 1920 deixou relíquias inesquecíveis, ainda hoje perpetuadas como obras-primas absolutas da história do cinema.
Em 1927, na Alemanha, Fritz Lang dava ao mundo sua visão do futuro em Metrópolis, enquanto Abel Gance, na França, apresentava seu monumental Napoleão. Nos Estados Unidos, o alemão Murnau fazia poesia com Aurora, ao mesmo tempo em que o americano Buster Keaton dava sua versão de alegria com A general. No ano seguinte, ainda teríamos A turba, de King Vidor, e O vento, de Victor Sjöström.
Aqui no Brasil, os cinéfilos cariocas ligado ao Chaplin Club, o primeiro cineclube do País, não aceitaram a novidade, como também o próprio patrono da organização, que postou-se contrário à novidade, aceitando-a apenas em 1940, quando realizaou o maravilhoso O grande ditador. Até 1931, os vários pólos de produção em atividade no Brasil ainda estavam em pleno vapor. Neste ano, no Rio de Janeiro, um jovem de 21 anos realizaria aquele que é considerado a maior obra-prima do cinema brasileiro do período silencioso.
Com Limite, Mario Peixoto deixou um legado de estatura mitológica para a nossa então incipiente cinematografia. No Recife, como nas cidades de Campinas, Porto Alegre e Cataguases (MG), a criação cinematográfica silenciosa também chegava ao fim.  O Ciclo do Recife, iniciado em 1923, terminaria em 1931 quando as casas exibidoras já não mais passavam filmes silenciosos. O filósofo pernambucano Evaldo Coutinho, outro entusiasta do cinema silencioso, edificaria um pensamento estético em torno de sua predileção pelos filmes mudos em A imagem autônoma, lançado em 1972.

Filmes silenciosos e mudos? Em termos, diga-se de passagem, porque justamente em 1926 o cinema já tinha resolvido sua expressão de arte em movimento com acompanhamento sonoro. Nestes anos que antecederam o surgimento do cinema falado, as salas de cinema nos Estados Unidos eram equipadas com órgãos de altíssima qualidade, manufaturados pela WurliTzer Organ Company, localizada em North Tonawanda, no estado de Nova Iorque. Para se ter uma ideia precisa do Might WurliTzer, é só dizer que o órgão substituía uma orquestra inteira. Com seu sistema de pistões de ar comprimido, o poderoso órgão parece uma nave espacial que recria sons de mais de 100 instrumentos, além de sons típicos do filmes do cinema mudo, como buzinas e sirenes de carros de bombeiros.

Para quem aprecia o cinema e se interessa em conhecer suas origens, assistir a uma sessão de cinema como se fosse em 1926 é uma emoção raríssima. Pelo menos cerca de 100 mortais sentem-se transportados para a década de 1920 ao entrar na casa de espetáculos Old Town Music Hall, na pequena cidade de El Segundo, que fica ao sul de Los Angeles. Desde 1968, o antigo cinema municipal apresenta nos fins de semana sessões de cinema com os clássicos do cinema mudo.

Dois organistas e amantes do cinema, Bill Coiffman, já falecido, e Bill Field, atualmente à frente das apresentações, iniciaram o projeto em 1958, quando compraram um órgão que pertencia ao Fox West Coast Theater, na quase vizinha cidade de Long Beach. Após uma longa restauração, que durou dois anos, eles montaram o piano num estúdio em Los Angeles, cujos resultados não foram dos melhores, como o órgão sendo quase desfigurado em virtude do pequeno espaço onde foi montado.

Até que, em 1968, a dupla conseguiu instalar o Might WurlitZer no antigo teatro da cidade, construído em 1922, no mesmo ano do famosíssimo The Egyptian Theater, em Hollywood Boulevard.  Para Bill Field, 72 anos, ainda forte e firme no domínio completo do magnífico órgão, esta é uma missão que ele escolheu para a vida dele: “A música e o cinema estão dentro mim há tanto tempo, na parte mais profunda do meu coração, que parece que fui escolhido para estar aqui”, confessa o emocionado organista.
A emoção sentida por Bill é a mesma que atinge a plateia no Old Town Music Hall. Afinal, assistir a uma sessão de curtas da dupla o Gordo e o Magro (Laurel e Hardy), como se estivéssemos em plenos anos 1920, é algo quase impensável, mas não impossível. Acredite, a máquina do tempo existe e está em El Segundo.